terça-feira, 3 de junho de 2008

A Menina e o Urso sem Cabeça

Era uma vez uma pequena
Que só e perdida andava.
De urso mutilado em punho
Enquanto chorava cantava:

"Ajude, por dó, alguém
Uma criança no seu percurso!
Poder-me-ão dizer
Onde encontro cabeça para o meu urso?"

Ao passar por um ribreiro
Encontrou um cavaleiro
Que parou e a fitou
Com um ar mau e grosseiro.

"Ajude, bondoso senhor
Uma criança no seu percurso.
Pode dizer-me onde encontrar
Uma cabeça para o meu urso?"

À negativa resposta
De uma cabeça acenar,
A menina sem dó o degolou
Com um frio e pesado olhar.

Passando por um riacho,
Labor de uma lavadeira,
A menina depressa perguntou
À comum mulher matreira.

"Ajude, minha senhora
Uma criança no seu percurso.
Saberá onde encontrar
Uma cabeça para o meu urso?"

Retorquindo com desdém,
A mulher a afastou,
recebendo aço porém
Quando a menina a esventrou.

Caminhando bosque a dentro
Sem vivalma para escutar
A menina cantou novamente,
Desta vez a soluçar:

"Haverá alguém neste mundo,
Que durante o seu percurso,
Queira ajudar uma menina
A encontrar cabeça ao urso?!"

Num instante alguém surgiu,
Embora desta vez também em pranto.
Um homem de aspecto senil
Juntou-se ao macabro canto.

"Meu senhor porque chorais?
Homens feitos já não choram!
Dir-me-ão talvez seus olhos
Porque rios de água jorram?"

"Dama infanta, infortúnio!
Dissabor de tanto amar!
Fui trocado, fui ferido,
Vou-me agora enforcar!"

"Não o faça, meu bom homem!
Esperai só um momento!
Responda-me antes de tudo
E poupai-me deste tormento:

Há dias e dias sem fim
Que no meu triste percurso,
tenho tentado encontrar
Uma cabeça ao meu urso.

Se a morte tanto deseja,
E posso ajudá-lo a lá chegar,
Com grado lhe presto auxílio
Se a cabeça me entregar.

Nada de forcas ou de cordas,
É um fim tão pouco prático!
Precisais de algo nobre,
Algo que seja dramático!"

Meditando no que ouvira,
O homem cessou seu soluçar.
Prostou-se face à infanta
e concordou ao acenar.

"Se comigo concordas,
Está feito assim o contrato.
Ditas as últimas palavras,
Poderás consumar o acto."

Encostando ao seu pescoço
Um enorme objecto cortante,
Deslizou a mortal adaga
Findando num som gorgolejante.

Apanhando a cruel arma
Junto ao cadáver desgraçado,
A menina rejubilou
Com o que tinha encontrado!

Puxando de dentro do urso
Uma faca velha e amassada,
trocou-a pela adaga
reluzente e ensanguentada.

"Alguém por fim me ajudou
Terminando o seu percurso.
Finalmente encontrei
Uma cabeça para o meu urso."

Em noites de frio luar,
Ou até dias, quem sabe, talvez,
A menina ainda se ouve cantar
Onde morreu alguém uma vez.

1 comentário:

Vincent DeVille disse...

Lindo! A tua personagem predilecta já tem um poema à altura! Bravo!

P.S.: Espero que o velho seja aquele que fazes nas D.D.'zadas! :)

Um Abraço