domingo, 26 de junho de 2011

Às cinco na Igreja

Uiva um sonho por entre as chaminés.

Abraçado pela sua doce Umbra ele deambula num gemido constante, impróprio a si próprio num modo sempre tão apropriado. A populaça mexe-se sob os seus pés, mas nenhum naco do rebanho dá por si: é um fantasma, uma sombra, um espectro penado e mesmo assim, quão bem reluz a sua pele ao doce luar que nunca o bafeja.

E que importa que seja apenas o próprio a admirar-se?! Quão bem pulsam os frenéticos rios esverdeados sob a sua pele fantasiada, ardentes em glória dormente, mortos apetrechos para se enganar a si e a si somente. Quão maquiavélico é o reflexo do árgon incandescente nos seus olhos indiferentes, quão caótico o flutuar de um cabelo fora do seu caminho. E que ego narcísico inunda a criatura!

Mas o repente fumado sublima o momento. O segundo uivo reverbera pelo betão feio e estuque do jardim urbano, cada vez mais perto, num gorgolejar cacofónico de glória e ira que estremecem o estribo do sonhador. E ao olhar para baixo... Será possível? Um aglomerado agoniado de negro escuro fumado olha para si, quiçá pasmado. Mas será para si? Não para a lua, como todos os seres de Nix, ou talvez ao mudo sino que há tanto se reduz a uma cassete rouca e obsoleta?

O lobo uivou mais uma vez. Inconfundível reconhecimento. Um grotesco monstro familar, quão diferente da sua pele de trâmitos mundanos, que manifestação tão soturna em comparação com o ego encarnado e, no entanto, ambos figuras tão distintas e fiéis a si próprios como poderiam algum dia ser.

"Conforme combinado." rosnou a difusa silhueta do lobisomem, pulando para junto do pálido fantasma expectante que com um cordial acenar se sentou ao seu lado e retorquiu, quais cavalheiros num café da moda. "Às cinco na Igreja."

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