Era uma vez uma pequena
Que só e perdida andava.
De urso mutilado em punho
Enquanto chorava cantava:
"Ajude, por dó, alguém
Uma criança no seu percurso!
Poder-me-ão dizer
Onde encontro cabeça para o meu urso?"
Ao passar por um ribreiro
Encontrou um cavaleiro
Que parou e a fitou
Com um ar mau e grosseiro.
"Ajude, bondoso senhor
Uma criança no seu percurso.
Pode dizer-me onde encontrar
Uma cabeça para o meu urso?"
À negativa resposta
De uma cabeça acenar,
A menina sem dó o degolou
Com um frio e pesado olhar.
Passando por um riacho,
Labor de uma lavadeira,
A menina depressa perguntou
À comum mulher matreira.
"Ajude, minha senhora
Uma criança no seu percurso.
Saberá onde encontrar
Uma cabeça para o meu urso?"
Retorquindo com desdém,
A mulher a afastou,
recebendo aço porém
Quando a menina a esventrou.
Caminhando bosque a dentro
Sem vivalma para escutar
A menina cantou novamente,
Desta vez a soluçar:
"Haverá alguém neste mundo,
Que durante o seu percurso,
Queira ajudar uma menina
A encontrar cabeça ao urso?!"
Num instante alguém surgiu,
Embora desta vez também em pranto.
Um homem de aspecto senil
Juntou-se ao macabro canto.
"Meu senhor porque chorais?
Homens feitos já não choram!
Dir-me-ão talvez seus olhos
Porque rios de água jorram?"
"Dama infanta, infortúnio!
Dissabor de tanto amar!
Fui trocado, fui ferido,
Vou-me agora enforcar!"
"Não o faça, meu bom homem!
Esperai só um momento!
Responda-me antes de tudo
E poupai-me deste tormento:
Há dias e dias sem fim
Que no meu triste percurso,
tenho tentado encontrar
Uma cabeça ao meu urso.
Se a morte tanto deseja,
E posso ajudá-lo a lá chegar,
Com grado lhe presto auxílio
Se a cabeça me entregar.
Nada de forcas ou de cordas,
É um fim tão pouco prático!
Precisais de algo nobre,
Algo que seja dramático!"
Meditando no que ouvira,
O homem cessou seu soluçar.
Prostou-se face à infanta
e concordou ao acenar.
"Se comigo concordas,
Está feito assim o contrato.
Ditas as últimas palavras,
Poderás consumar o acto."
Encostando ao seu pescoço
Um enorme objecto cortante,
Deslizou a mortal adaga
Findando num som gorgolejante.
Apanhando a cruel arma
Junto ao cadáver desgraçado,
A menina rejubilou
Com o que tinha encontrado!
Puxando de dentro do urso
Uma faca velha e amassada,
trocou-a pela adaga
reluzente e ensanguentada.
"Alguém por fim me ajudou
Terminando o seu percurso.
Finalmente encontrei
Uma cabeça para o meu urso."
Em noites de frio luar,
Ou até dias, quem sabe, talvez,
A menina ainda se ouve cantar
Onde morreu alguém uma vez.
1 comentário:
Lindo! A tua personagem predilecta já tem um poema à altura! Bravo!
P.S.: Espero que o velho seja aquele que fazes nas D.D.'zadas! :)
Um Abraço
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